La Organización Negra

laura benevides
3 min readJan 7, 2021

Esta semana, durante o 35 festival de Cine de Mar del Plata, assisti ao documentário La Organización Negra, ejercicio documental (2016), dirigido por Julieta Rocco, que compartilha a trajetória desse grupo de teatro experimental criado em 1984 até a sua dissolução em 1992.

La Organización Negra foi um coletivo argentino de investigação e experimentação teatral criado por um grupo de estudantes dentro do Conservatório Nacional de Arte Dramático. A Argentina acabava de sair de uma ditadura e suas primeiras ações tomavam as ruas depois de um longo período de duras proibições.

São poucos os registros desse período em que começaram a explorar a construção de uma linguagem própria a partir de um despertar poético e politicamente dos transeuntes. Em La Procesión Papal (1985) simularam uma procissão e um atentado contra o Papa na Calle Florida. Em Los congelamientos algum dos artistas, ao atravessar o semáforo, se congelavam por alguns segundos. Experiências que interpelam de forma inesperada o tempo-espaço do cotidiano e seus ritmos habituais.

La Procesión Papal, 1985

A partir de um posicionamento anárquico La Negra concebia suas ações a partir de um teatro de guerrilha que através de “ataques artísticos” surpreendiam os espectadores com ações que interrompiam o previsível cotidiano urbano e convocava os espectadores a saírem de uma condição passiva unindo técnicas de “teatro de choque”, elementos multimídias, artes visuais e música.

Após uma primeira etapa de intervenções na rua, o grupo continuou ocupando espaços não convencionais. Foi o caso da discoteca Cemento, ícone da cena artística underground portenha. Nesse período muitas comunidades criativas ocupavam espaços como sótãos e bares transformando-os em lugares não só de exibição, mas de produção de obras.

Uorc, 1986/87, foto: Pompi Gutnisky

La Negra apresentou em Cemento, entre 1986 e 1987, o espetáculo UORC Teatro de operaciones. Nesse projeto o grupo prosseguiu com sua rebeldia experimentando nesse espaço imersivo (indefinido e caótico) uma linguagem que alcançasse o público a partir da ativação dos sentidos. Havia ali uma espécie de resgate de uma fúria por um passado trágico, uma possibilidade de catarse que começou a atrair tantas pessoas que se converteu num evento massivo.

Uorc, 1986/87, foto: Pompi Gutnisky
Uorc, 1986/87, foto: Pompi Gutnisky

O corpo era, definitivamente, um dos eixos centrais da poética do grupo e em 1989 esses corpos foram projetados no ar. Esse foi o espetáculo a partir do qual eu conheci La Negra, La tirolesa/Obelisco, uma performance aérea no famoso monumento portenho.

Pareceu-me muito interessante a apropriação do monumento como um território a ser explorado ao mesmo tempo que acaba por marcar uma espécie de reconquista do espaço público. Além disso, a experimentação desse espaço aéreo em seu entorno, cotidianamente inacessível, permitiu, através das cortinas de fumaça e água, uma plasticidade temporária completamente distinta da rígida condição do monumento que não mais permite a sua ocupação.

Fortemente vinculados à transgressão do espaço cênico delimitado, estes artistas romperam com a quarta parede provocando fricções com o espectador em uma atmosfera intensa e envolvente, tornando-se protagonistas de uma experiência teatral inovadora que inspirou a muitos artistas e deu origem a grupos como De La Guarda e Fuerza Bruta.

Deixo o convite para que você (quando for possível) também assista ao documentário. Inclusive, La Negra esteve no Brasil entre 1990 e 1991 realizando La Tirolesa, mas não encontrei muitas informações a respeito. Se você viu essa ação, me conta como foi? 🙂

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laura benevides

pesquisadora e arquiteta. reúno aqui textos que escrevo sobre arte e arquitetura.